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Convergência adiada.
Fonte: Notícias Fiscais | Data: 12/9/2011
Por Fernando Torres
Um dos principais argumentos
usados para justificar o processo de convergência do padrão
contábil brasileiro para o modelo internacional IFRS
sempre foi a facilidade para comparar os balanços de
empresas nacionais com os de estrangeiras.
Como os investidores internacionais estariam habituados ao padrão,
usado em mais de cem países e considerado confiável
e de boa qualidade, isso reduziria o custo de capital das companhias.
Por ora, entretanto, o que se vê é que mesmo entre
empresas brasileiras não há uma uniformidade nas
práticas contábeis.
Isso ocorre porque o IFRS é baseado em princípios,
e não em regras detalhadas, e também porque ele
permite escolhas por parte das empresas.
Ao exercer seu poder de julgamento sobre qual a melhor forma
de reconhecer determinado evento, algumas companhias acabam
chegando a conclusões diferentes, o que pode dificultar
a comparação simples dos números dos balanços.
O sócio de auditoria da Ernst & Young Terco Paul
Sutcliffe cita, por exemplo, o tratamento que se dá a
empréstimos no âmbito do Programa de Sustentação
do Investimento do BNDES, com juros próximos de 5% ao
ano. Algumas empresas, como Vivo e TIM, consideram isso uma
subvenção do governo e, por isso, contabilizam
a diferença entre a taxa paga ao banco e a praticada
no mercado, bem mais alta, como uma receita na demonstração
de resultado. Mas a maior parte das empresas não faz
assim.
Há divergência também na forma de se registrar
o pagamento de outorga em contratos de concessão. Algumas
empresas colocam o valor devido dentro de uma conta do passivo,
como OHL e Ecorodovias, enquanto outras informam o montante
apenas em nota explicativa, caso da CCR.
Conforme já noticiado pelo Valor, entre as administradoras
de shopping centers também há práticas
distintas para se contabilizar o valor dos empreendimentos imobiliários.
Enquanto BR Malls e Sonae Sierra avaliam seus imóveis
a preço de mercado, Multiplan, Iguatemi, Aliansce e General
o fazem pelo custo. O IFRS permite escolha nesse caso.
De forma geral, especialistas citam diferenças também
em relação a taxas de depreciação
de prédios, máquinas e equipamentos usadas pelas
empresas e em relação ao método utilizado
pelas companhias para apuração do valor justo
de ativo biológico, como florestas, plantações
e rebanho bovino.
Ao ser questionado sobre o tema, o diretor da Comissão
de Valores Mobiliários (CVM) Alexsandro Broedel disse
que considera os casos de divergência de prática
como “pontuais”. Ele afirmou ainda que não tinha a expectativa
de que os balanços ficassem uniformes em todos os aspectos,
mas sim de que o nível de transparência fosse o
mesmo.
“A maioria das práticas deve convergir com o passar dos
anos, mas algumas diferenças devem persistir”, avalia
o representante do órgão regulador do mercado,
para quem isso exigirá uma atenção cada
vez maior para as notas explicativas dos balanços.
Na opinião de Reginaldo Ferreira Alexandre, presidente
da regional São Paulo da Associação dos
Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais
(Apimec -SP), se a situação é diferente,
o julgamento realmente pode mudar de uma empresa para a outra.
“As situações podem variar. E se é assim,
é importante que haja distinção.”
Nos casos em que um mesmo evento econômico é registrado
de forma divergente, Alexandre destaca que o importante é
a divulgação. “Aí os analistas podem ver
qual prática eles preferem, o que levará a um
processo de equilíbrio”, diz.
A divergência de julgamentos dentro do IFRS não
ocorre só no Brasil. A forma de cálculo do valor
justo dos títulos da dívida grega acaba de gerar
polêmica na União Europeia.
Os bancos alemães e britânicos, como o Royal Bank
of Scotland, usaram os preços de mercado para registrar
o valor dos papéis, com perda de 50% contra o resultado
do período. Na França, bancos como o BNP Paribas
julgaram que a liquidez dos papéis caiu tanto que o valor
de negociação não seria uma boa referência
para o valor justo. Usando modelos internos, eles registraram
baixa de 21%.
Os auditores emitiram parecer sem ressalva nos dois casos, sendo
que a Deloitte checa os números do RBS e é uma
das três que avalia o balanço do BNP Paribas.
A divergência levou Hans Hoogervorst, presidente do Conselho
de Normas Internacionais de Contabilidade (Iasb, na sigla em
inglês), que é o órgão que emite
as regras do IFRS, a escrever uma carta aos reguladores europeus
para manifestar sua discordância quanto ao julgamento
de que os mercados não estariam líquidos.
Segundo Amaro Gomes, único brasileiro no conselho do
Iasb, o IFRS pede que as empresas divulguem a melhor informação
possível dentro do seu julgamento. Apesar de reconhecer
que pode haver tratamentos distintos em determinados momentos,
ele avalia que a “disciplina de mercado” levará a práticas
semelhantes. “Não é a norma que vai resolver,
mas a reação do mercado, de analistas, reguladores,
auditores e administradores”, afirma.
