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O DEVER DE INFORMAR PLANEJAMENTOS TRIBUTÁRIOS: BREVES
REFLEXÕES
À LUZ DOS PRINCÍPIOS DO ESTADO DEMOCRÁTICO
DE DIREITO
“Os ajustes fiscais duradouros e de boa qualidade são
os que se baseiam em corte de gastos. E os de pior qualidade
– e mais recessivos — os que dependem de aumento de impostos”
(Marcos Cintra).
Em um cenário econômico
recessivo, caracterizado pelo desemprego, diminuição
do consumo, queda da produção industrial e aumento
da taxa de juros, o Governo insiste na adoção
de ajuste fiscal, baseado no aumento de tributos. Recentemente,
foi publicada a Medida Provisória nº 685, de 21
de julho de 2015 (DOU 22.07.2015), que, além de instituir
o Programa de Redução de Litígios Tributários
(PRORELIT), também cria uma nova obrigação
acessória consistente no dever do contribuinte, pessoa
física e jurídica, informar
à Receita Federal do Brasil, os planejamentos tributários
realizados.
Nos termos do ato executivo,
torna-se obrigatório informar, anualmente, à administração
tributária, via declaração, todos os atos
e negócios jurídicos que acarretem
a supressão, redução, adiamento ou diferimento
do pagamento de tributos, quando:
i) não possuam “razões extratributárias
relevantes”; ii) se a forma adotada na operação
não for usual, ou; iii) se tratarem de atos ou negócios
jurídicos proibidos em ato
infralegal, isto é, sem respaldo em lei. Com base nessa
declaração, o fisco pretende averiguar
se a redução de carga tributária é,
exclusivamente, a única intenção dos contribuintes
nestas operações.
Nesta hipótese, o
fisco poderá não reconhecer, para fins tributários,
a operação declarada
pelo contribuinte e enquadrá-la conforme o seu entendimento.
O contribuinte, neste
caso, deverá proceder ao pagamento, em espécie,
da diferença de tributos incidentes
sobre ambas as operações (a “declarada” e a “considerada”),
no prazo de 30 (trinta)
dias, acrescidos de juros de mora, porém, sem a aplicação
de multa. Por outro lado,
se o contribuinte descumprir a obrigação de informar,
ou a declaração for omissa em
dados essenciais, contenha falsidade ou fraude, tal prática
será caracterizada como omissão
dolosa, com intuito de sonegação ou fraude!
O mero descumprimento da
obrigação acessória de informar o planejamento
tributário, nos
termos requeridos pela Medida Provisória, atribuirá
responsabilidade criminal à conduta
omissiva do contribuinte. Trata-se, pois, da criação
de novo tipo penal de sonegação
fiscal, na modalidade de omissão dolosa de entrega de
declaração das atividades
negociais que acarretem redução da carga tributária.
Nesta situação, haverá a incidência
de juros de mora e aplicação de multa qualificada
de 150% (cento e cinquenta
por cento).
Atualizando o caro leitor:
o Código Tributário Nacional contém cláusula
geral antielisiva.
Conforme a literalidade do parágrafo único do
artigo 116 do CTN, a desconsideração
das operações é cabível quando “praticados
com a finalidade de dissimular
a ocorrência do fato gerador”, ou seja, fato gerador já
ocorrido (evasão fiscal),
e não desconsiderar planejamentos tributários
feitos legalmente, para não ocorrência
do fato gerador de maior de carga tributária. Com Medida
Provisória nº. 685, de
2015, sinaliza-se nova tentativa do Governo de regulamentar
as práticas antielisivas.
Entretanto, as operações que deveriam ser combatidas
são as abusivas, denominadas evasão fiscal, com
violação à lei, na intenção
de encobrir o fato gerador já ocorrido, mediante fraude,
simulação e sonegação fiscal. Um
modelo ideal e respeitador das garantias constitucionais do
contribuinte, para regulamentar a cláusula geral antielisiva,
antes de tudo, deve estabelecer a necessidade de um procedimento,
anterior ao lançamento, em que seja assegurado o contraditório
e a ampla defesa.
Ainda, a redação
da Medida Provisória concede “carta branca” para que
o fisco inclua outros
casos em que a exigência será efetivada, em ato
normativo infralegal. E, neste sentido,
o contribuinte nunca terá certeza se deve declarar ou
não suas operações, tendo em
vista o alto grau de subjetividade das hipóteses que
o obrigam a apresentar a declaração
de planejamento tributário, também altamente dependentes
da interpretação do
fisco, o que de fato, só aumenta a insegurança
jurídica nas relações entre fisco e contribuinte.
E, a partir dessas premissas, não é preciso muito
esforço para concluir que a
obrigação de informar planejamentos tributários
viola princípio-regras do Estado Democrático
de Direito, entre eles, o da iniciativa privada, legalidade
tributária e penal, presunção
da inocência e o direito ao silêncio.
Primeiro, o princípio
da iniciativa privada, ou mesmo livre iniciativa, garante a
legitimidade da livre organização das atividades
negociais do contribuinte (cf. artigos 1º, inciso IV e
170 da CF/88). Sempre foi possível ao indivíduo,
dentro dos limites da lei, planejar adequadamente, as suas atividades,
seus negócios, de forma a otimizar o pagamentos dos tributos.
Para o Desembargador Federal Leandro Paulsen (ESMAFE, 2011):
“nada deve impedir o indivíduo de, dentro dos limites
da lei, planejar adequadamente
seus negócios, ordenando-os de forma a pagar menos imposto”.
Segundo, o principio da
legalidade tributária resta violado (artigo 150, I, CF/88),
principalmente, quando
da desconsideração, pelo fisco, dos negócios
jurídicos declarados
pelos contribuintes, sem critérios legais bem definidos
do que seja exatamente
“razões extratributárias relevantes” e “forma
não usual” das operações. Afinal,
tudo indica que, pela interpretação de “razões
extratributária relevantes”, o fisco poderá
descaracterizar a realidade dos fatos para enquadrar a operação
na hipótese de incidência
que entender cabível.
Terceiro, a Medida Provisória
viola, também, a legalidade penal e a presunção
da inocência
quando criminaliza a conduta omissiva, presumindo o dolo (má-fé)
do contribuinte. Ora,
a Constituição Federal não só veda
a edição de Medidas Provisórias sobre
matéria de direito penal (artigo 62, §1º, “a”),
como também a presunção do dolo. De
acordo com princípio da presunção de inocência
(artigo 5º, LVII), compete ao fisco o
ônus de provar as suas acusações e, ao contribuinte,
defender o motivo pelo qual não declarou
em atenção ao princípio do contraditório
e da ampla defesa.
Por fim, quanto ao direito
ao silêncio, a Medida Provisória revela-se uma
nítida cláusula de
autoincriminação, expressamente vedada na Carta
Magna (artigo 5º, LXIII), segundo o
qual ninguém pode ser obrigado a fazer prova contra si
mesmo. Ora, as empresas não podem
depender da anuência do fisco a cada restruturação
negocial que pretendam realizar,
ainda mais com o risco de estar sujeita à multa de 150%
no caso de não informar
sobre sua opção, sob pena de inviabilizar ainda
mais o desenvolvimento da atividade
econômica. É lamentável que, em tempos de
crise, quando as empresas estão em
busca de liquidez para realização de investimentos
na atividade produtiva, o Governo
criminaliza a economia de tributos.
Não é estranho
o fato de o Congresso Nacional já ter recebido pedidos
de Deputados Federais, por meio de emendas, solicitando a supressão
dos artigos 7º e 12º da Medida Provisória e,
consequentemente, a retirada do dever de informar do texto originalmente
proposto sob a tese de inconstitucionalidade. Entre os argumentos,
sustenta-se que a medida viola os princípios constitucionais
da segurança jurídica e do não confisco,
bem como sequer observa
o critério de urgência, requisito para sua propositura,
conforme determina
o artigo 62 da Constituição Federal, de 1988.
Na mesma linha, já
foi ajuizada a Ação Direta de Inconstitucionalidade
nº 5366, pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), com
intuito de obstar a exigência da obrigação.
Inclusive, recentemente, o Poder Judiciário, em sede
liminar, afastou a exigência da Medida Provisória.
Para a juíza, Dra. Raquel Fernandez Perrini, da 4ª
Vara Federal Cível de São Paulo, “a obrigação,
à primeira luz, não observa o princípio
da livre iniciativa (art. 1º, IV, CF), da livre concorrência
(art. 170, IV,CF), e o da propriedade privada (art.170, II,CF),
ao suprimir do contribuinte a autonomia de equacionar seus negócios
da forma que melhor entender. O planejamento tributário
(ou elisão fiscal), desde
que concebido nos limites da ordem jurídica, é
procedimento legítimo, dado que capaz
de gerar legalmente uma redução da carga tributária
incidente sobre a atividade empresarial”
(Processo nº. 0016111-48.2015.4.03.6100).
Diante desse cenário
de inconformidade com a Medida Provisória nº. 685,
de 2015, a mídia,
inclusive, já veiculou a informação, segundo
a qual o fisco não exigirá a declaração
de planejamentos tributários em 2015 (cf. Valor Ecônomico
on line de 28.08.2015).
Como a Medida Provisória ainda está em discussão
no Congresso Nacional, sendo
objeto de mais de 200 emendas, somente depois da redação
final e quando da sua conversão
em Lei, a Receita Federal normatizará a exigência,
tornando-a obrigatória. Mesmo
com o cenário de mudanças, a via judicial será,
mais uma vez, a garantia para proteger
as empresas no desenvolvimento de suas atividades negociais.
Elisângela
Anceles - Advogada, Bacharela em Ciências Jurídicas
pela UFSM e em Econômicas
pela UFRGS, Especialista em Direito Tributário pelo IBET
e sócia da E&E
Consultoria e Soluções
Tributárias LTDA.
Felipe Hessel -
Advogado, Bacharel em Ciências Jurídicas pela PUCRS
e membro da equipe
da E&E
Consultoria e Soluções Tributárias LTDA.
