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PARECER PGFN/CAT Nº. 1.425, DE 2014: PROTEÇÃO
DA BOA-FÉ OBJETIVA NO
APROVEITAMENTO DE CRÉDITOS INTEGRAIS DO PIS/PASEP E COFINS
NAS AQUISIÇÕES DE
CAFÉ DE SOCIEDADES COOPERATIVAS
"O sábio não é o homem que fornece
as verdadeiras respostas; é quem faz as verdadeiras perguntas."
Aristóteles.
A interpretação decorre
de conceitos preexistentes. Nenhuma interpretação
ocorre no vazio. Ao contrário, trata-se de uma atividade
contextualizada às condições sociais, econômicas
e históricas. É dessa forma que deve ser interpretado
o entendimento exarado no Parecer PGFN/CAT nº. 1.425, de
2014.
Como de conhecimento do setor cafeeiro,
foi publicada em 31.03.2014, a Solução de Consulta
COSIT nº. 65, com efeitos vinculantes, ratificando o direito
ao crédito fiscal integral do PIS/Pasep e da COFINS,
nas aquisições de café de sociedades cooperativas
que submeteram o produto à atividade agroindustrial,
ainda na vigência da Lei nº 10.925, de 2004. Contra
esse entendimento consolidado, insurgiu-se a Superintendência
Regional da Receita Federal do Brasil da 8ª Região
(SP), defendendo a aplicação do inciso II do §2º
do artigo 3º da Lei nº. 10.637, de 2002 e 10.833,
de 2003 (§ 2º Não dará direito a crédito
o valor: II - da aquisição de bens ou serviços
não sujeitos ao pagamento da contribuição,
inclusive no caso de isenção, esse último
quando revendidos ou utilizados como insumo em produtos ou serviços
sujeitos à alíquota 0 (zero), isentos ou não
alcançados pela contribuição).
Ato contínuo, foi solicitada
a manifestação da Coordenação Geral
de Assuntos Tributários (CAT) da Procuradoria Geral Fazenda
Nacional (PGFN) sobre a seguinte questão: se os "benefícios
fiscais" (exclusões da base de cálculo) de
que desfrutam as sociedades cooperativas impedem que as pessoas
jurídicas adquirentes de seus produtos apurem créditos
ordinários na não cumulatividade do PIS/Pasep
e da COFINS. Mais especificamente, qual seria o real alcance
da vedação contida no inciso II do §2º
do artigo 3º das Leis nº. 10.637, de 2002 e 10.833,
de 2003?
Em resposta à indagação,
foram as principais conclusões do Parecer nº. 1.425/2014:
a) A sistemática da não-cumulatividade
do PIS/Pasep e da COFINS é diferente do mecanismo adotado
do IPI e ICMS. O ICMS e IPI incidem diversas etapas do processo
de produção e da circulação dos
bens. Por outro lado, o PIS/Pasep e a COFINS não incidem
sobre o produto ou serviço, mas sobre uma manifestação
de riqueza indicativa do estado do contribuinte: receita ou
faturamento. Assim, diferentemente do IPI e do ICMS, em que
o direito ao crédito corresponde aos valores destacados
nas notas fiscais de aquisição (método
imposto x imposto), no PIS/Pasep e na COFINS, o direito ao crédito
surge de uma regra autônoma (independente da operação
anterior), com a aplicação da alíquota
global de 9,25% sobre os valores de custos e as despesas de
compras de bens e serviços, previstos nos incisos do
artigo 3º das Leis n. 10.637, de 2002 e n. 10.833, de 2003
(método subtrativo indireto).
b) Embora não haja proporção
entre a contribuição do vendedor e o crédito
do comprador, o direito ao aproveitamento deste depende: da
sujeição ou não ao pagamento das contribuições
por parte daquele e da causa pela qual está dispensado
de pagar. Não se pode interpretar a sujeição
ao pagamento da contribuição como recolhimento
do tributo.
c) Se as regras de incidência
do PIS/Pasep e da COFINS, devidas pelas sociedades cooperativas
agropecuárias, "resultam, sempre, em uma base de
cálculo igual a zero, caberia à Administração
Fazendária editar obrigações acessórias
que exigissem de tais contribuintes a emissão de nota
fiscal que destacasse ou informasse que aquele produto ou serviço
vendido pelas sociedades cooperativas de produção
agropecuárias não estavam sujeitos ao pagamento
das respectivas contribuições".
d) Tendo em vista que o
critério eleito pela norma, para a não sujeição,
é a operação de compra e venda, em cadeia
de incidência de tributo sobre a receita/faturamento,
dificulta a determinação dos produtos ou serviços
que estão sujeitos ao não pagamento do PIS/Pasep
e da COFINS. Situação essa que inviabiliza a operacionalização
justa do sistema. Mas, por outro lado, não há
como obrigar cada adquirente de produtos investigar se, na etapa
anterior, houve o pagamento ou não de PIS/Pasep e da
COFINS, para garantir o direito ao creditamento. Inclusive,
o Parecer está de acordo com as razões da Norma
Técnica nº. 13 da COSIT que levaram ao entendimento
da Solução de Consulta COSIT nº. 65, de 2014,
no sentido de que "o montante exato de qualquer redução
de base de cálculo ou outros benefícios indiretos
que o vendedor goze na apuração das contribuições
não é de conhecimento da adquirente. Assim, vincular
o direito de creditamento do adquirente a condições
cujo cumprimento ele não pode verificar sem o exame detalhado
da contabilidade do vendedor tornaria o sistema complexo e inseguro".
Certo é que a extensão
dos efeitos da vedação para as hipóteses
de exclusão da base de cálculo da sociedade cooperativa
vendedora inviabiliza a sua aplicação, pelos seguintes
motivos: i) como o crédito independe do montante devido
na operação anterior (eis que o valor pago pelo
vendedor não vem destacado na nota fiscal), mas sim da
sujeição ao pagamento do PIS/Pasep e COFINS (o
que também não indica recolhimento), o adquirente
deveria ter acesso às informações registradas
na contabilidade da sociedade cooperativa vendedora para saber
se as exclusões a que ela tem direito igualam ou superam
a base de cálculo; ii) Esse controle deveria ser feito
em momento posterior à operação de compra
e venda, depois de encerrado o período de apuração,
o que, de fato, não se mostra razoável. Assim,
no momento da emissão da nota fiscal de venda de café,
as receitas auferidas estão, sim, sujeitas ao PIS/Pasep
e COFINS. Somente no final do mês, quando a sociedade
cooperativa fizer apuração das contribuições,
com as devidas exclusões da base de cálculo, pode
saber o quantum foi pago ou não a título de PIS/Pasep
e COFINS.
E as inviabilidades não
param por aí. Ainda que não levantadas no Parecer
em questão, não se pode omitir outras peculiaridades
da tributação do PIS/Pasep e COFINS das sociedades
cooperativas que reforçam o direito ao crédito
integral pelos adquirentes de sua produção. Senão
vejamos.
Qual a repercussão
tributária quando a sociedade cooperativa repassa as
receitas auferidas com a venda de café para cooperado
pessoa jurídica? Ora, ainda que sejam excluídas
da base de cálculo da sociedade cooperativa, as receitas,
quando auferidas pela pessoa jurídica cooperada, estão
sujeitas ao PIS/Pasep e COFINS. Vamos mais longe: mesmo que
fosse viável segregar e/ou "operacionalizar"
os bens e serviços que estão submetidos ao PIS/Pasep
e COFINS, no momento da emissão da nota fiscal pelas
sociedades cooperativas, ainda assim persistiria o direito ao
crédito integral pelo adquirente.
Isso porque, o instituto
da redução da base de cálculo é
inconfundível com isenção, alíquota
zero, suspensão e não incidência, como afirmado
pela própria Solução de Consulta COSIT
65, de 2014 (item 7). As sociedades cooperativas não
estão autorizadas pelo artigo 17 da Lei nº. 10.033,
de 2004, a manterem os créditos integrais do PIS/Pasep
e COFINS (decorrente de custos e despesas com depreciação
de máquinas e equipamentos, energia elétrica,
entre outras), vinculados às receitas auferidas com a
venda de café do cooperado, que foram excluídas
da base de cálculo das contribuições. Dessa
forma, o estorno desses créditos tornam-se custos embutidos
no preço do café a ser suportado pelo adquirente,
que em atenção ao princípio da não-cumulatividade
(artigo 195, §12 da CF/88), devem ter o direito ao
crédito integral.
Portanto, inúmeros
são os argumentos, sejam de ordem jurídica ou
econômica, que afastam a aplicabilidade do inciso II,
§2º dos artigos 3º das Leis nº. 10.637,
de 2002, e 10.833, de 2003, nas aquisições de
café de sociedades cooperativas que submeteram à
atividade agroindustrial. Não é por acaso que
a jurisprudência administrativa, até então,
sempre reconheceu o crédito integral nas aquisições
das sociedades cooperativas. Dessa forma, a boa-fé objetiva
do contribuinte consistente, na realização de
sua conduta de acordo com a jurisprudência, fundada em
expectativas legítimas, também deve ser protegida.
O Parecer PGFN nº.
1.425, de 2014, é favorável à Solução
de Consulta COSIT nº. 65, de 2014, prestigiando a boa-fé
objetiva dos contribuintes. Em razão das peculiaridades
do sistema de tributação não-cumulativo
do PIS/Pasep e da
COFINS das sociedades cooperativas, incidentes sobre a receita/faturamento,
o Parecer permite o aproveitamento de créditos integrais
nas aquisições de sociedades cooperativas, afastando,
portanto, a vedação do inciso II, §2º
dos artigos 3º das Leis nº. 10.637, de 2002 e 10.833,
de 2003. E, mesmo que fosse possível segregar as receitas/faturamentos
dos cafés que não foram sujeitos ao PIS/Pasep
e da COFINS no momento da aquisição, o que importa
para o setor cafeeiro, é que, durante o lapso temporal
"polêmico", até 31.12.2011, inexistia
a obrigação acessória das sociedades cooperativas
em
informar na nota fiscal a não sujeição
dos produtos ou serviços ao PIS/Pasep e à COFINS,
impedindo, também, a incidência da referida vedação
ao comprador na apuração de créditos.
A par dessas razões,
e na linha de entendimento do Parecer PGFN nº. 1.425, de
2014, e Solução de Consulta COSIT nº. 65,
de 2014, a vinculação do direito do crédito
integral do PIS/Pasep e da COFINS do adquirente às condições,
cujo cumprimento ele não pode verificar sem o exame detalhado
da contabilidade do vendedor, torna o sistema, além de
complexo, inseguro e inviável. Certamente, os contribuintes
não podem ser prejudicados, devendo prevalecer a boa-fé
objetiva nas suas relações com as sociedades cooperativas,
mediante a manutenção dos créditos integrais
dessas
contribuições nas aquisições de
café submetidos ao processo agroindustrial.
Elisângela
Anceles - Advogada, Economista, especialista em DireitoTributário
pelo IBET e sócia da E&E Consultoria e Soluções
Tributárias.